"O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."(Salmos 23: 1-6)

terça-feira, 4 de maio de 2010

A Paixão de Paulo: A Cruz de Cristo

A Paixão de Paulo: A Cruz de Cristo
Maria Clara Lucchetti Bingemer *

Poucos encontros na história da humanidade são narrados com tamanha intensidade e paixão como o de Paulo de Tarso com Jesus Cristo. O texto do Novo Testamento usa expressões de grande força simbólica e evocativa para descrevê-lo: uma luz resplandecente vinda do céu, uma voz que soava forte e perguntava: "Por que me persegues?"

Aquilo que se apresenta como uma teofania esmagadora e terrível provocou em Paulo uma rendição sem limites. A pessoa que se manifesta naquela luz e naquela voz é por ele chamada de Senhor desde o primeiro momento. Entre trêmulo e atônito, Paulo só ousa perguntar humildemente àquele que o conquistou para sempre o que deve fazer. Apaixonado e seduzido no mais profundo de si mesmo encontraria a partir dali o sentido de sua vida na pessoa do Cristo Ressuscitado que atravessou seu caminho na estrada de Damasco.

Quando nos apaixonamos tudo passa a ser diferente. É o amor apaixonado que determina nossa vida. Nosso acordar pela manhã e nosso entardecer. Nossas decisões, o que fazer com nosso tempo, o que priorizar em nossas escolhas. O que é capaz de assombrar-nos, o que tem poder de maravilhar-nos. O que provoca nossa entrega sem retorno e sem voltar atrás. Aquilo pelo qual somos capazes de morrer e que por isso dá um sentido à nossa vida.

Assim foi com o amor apaixonado que Paulo de Tarso sentiu e experimentou desde aquele primeiro minuto na estrada de Damasco até o fim de sua vida. A paixão por Jesus Cristo determinava seus afetos, atos, pensamentos e polarizava todas as suas energias. A única coisa que passou a importar para ele foi seguir esse Senhor que lhe arrebatara o coração, anunciá-lo por toda parte e a toda gente. E identificar-se com ele de modo tão profundo que já não houvesse separação possível entre os dois.

Tudo que antes Paulo considerava valioso e apreciável, diante da magnitude da presença de Jesus Cristo em sua vida tornou-se lixo e perda. A única coisa que o urgia e impulsionava para frente era o amor de Cristo. Viver para Paulo era, então, não mais viver para si, mas para Aquele que por nós morreu e ressuscitou. Tomado por um amor incondicional, Paulo se lança para frente com os olhos fixos em Jesus Cristo e dessa união extrai forças para o seu ministério apostólico cheio de vicissitudes e dificuldades.

Diante delas, porém, Paulo não recua nem treme, pois considera um privilégio e uma alegria trazer em seu corpo as marcas de Cristo e experimentar na carne os sofrimentos de Cristo pelo bem de sua Igreja. A mútua compenetração entre amante e amado se faz cada vez mais íntima e profunda a ponto de fazer Paulo sentir e exclamar estar pregado na cruz com Jesus Cristo. Não é mais ele que vive, mas Cristo que nele vive.

A fé em Jesus Cristo e o amor que dela deriva levam Paulo a morrer para a lei pela qual antes se guiava cegamente, a fim de viver para Deus. E a viver sua vida na fé no Filho de Deus que - confessa ele cheio de gratidão - "me amou e se entregou por mim". Diante da entrega total da paixão de Cristo, Paulo sente-se arrebatado de amor e declara não pretender jamais gloriar-se a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para ele e ele para o mundo.

Em nosso tempo de relações líquidas e fugazes, que se fazem e desfazem com o simples toque de um clic, onde tudo é descartável e efêmero, e se desfaz no momento seguinte em que se faz, a gigantesca figura de Paulo de Tarso nos diz algo importante sobre o que é o amor. Não emoção passageira, sentimento barato, sensação volátil. Mas paixão que arrebata e exige a vida inteira. Algo pelo qual vale a pena morrer e que por isso mesmo ensina a viver com sentido e plenitude.

* Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Autora de "Simone Weil - A força e a fraqueza do amor" (Ed. Rocco).

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