"O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."(Salmos 23: 1-6)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Uma nova visão de Deus

Uma nova visão de Deus
Marcelo Barros

As guerras e atos de intolerância praticados por crentes das mais diversas religiões fundamentam-se em uma visão de Deus que ama o bom e odeia o mau, premia o justo e castiga o ímpio. No decorrer dos tempos muitos religiosos sentiram-se investidos da missão de serem 'espada de Deus' para castigar os inimigos. Os fundamentalismos e movimentos fanáticos são expressões deste modo de viver e compreender a fé. Hoje, ao contrário, para trabalhar pela paz, é necessário crer em Deus como amor incondicional e compaixão universal.

Deus é mistério. O que sobre ele afirmamos é mais revelador de nós mesmos que do próprio Deus. Alguém já escreveu que, se os cavalos pensassem e tivessem uma religião, o deus deles seria um belo eqüino. Isso não quer dizer que Deus é apenas projeção das carências e fantasias humanas. Ciências contemporâneas, como a Física Quântica, descobrem, por detrás das partículas mais ínfimas do universo, uma inteligência misteriosa. Muitos percebem o universo como um organismo vivo. As religiões tradicionais falam de uma energia de amor ocultamente presente em toda a natureza e no mistério da vida.

Um dos mais notáveis teólogos evangélicos do nosso século dizia: "O nome da profundidade e do fundo infinito, inesgotável de todo ser, é Deus. Esta profundidade é o próprio sentido da palavra Deus. Se vocês virem o que há de mais importante e profundo na cultura e na vida de alguém ou de um povo, vocês estão tocando no mistério da presença de Deus".

A tradição hebraica ensina que nenhum nome define totalmente a Deus. Na diversidade de nomes, aspectos do seu mistério são contemplados. Conforme o Êxodo, Deus disse a Moisés: "Foi como El Shaddai que Eu me revelei a Abraão, a Isaac e a Jacó" (Ex 6).

Pouco a pouco, o povo de Deus referiu ao Senhor Deus vários nomes e atribuições que as tribos lhe conferiam: o Deus dos pais, o Deus da aliança, o Deus dos exércitos e muitos outros.

No deserto Deus deixou que os hebreus venerassem, como sendo dele, a imagem da Serpente de Bronze, que serviria para curar; não aceitou, entretanto, a imagem do Bezerro de Ouro, que os tirava do caminho da libertação. Os profetas rejeitaram, como idólatras, imagens opressoras e cruéis de Deus: Moloc era uma visão de deus que exigia sacrifícios humanos; Baal era uma imagem de deus que legitimava o imperialismo dos fenícios e o comércio opressor.

A Bíblia vai mostrando uma revelação progressiva de Deus como Amor e Compaixão. Jesus o chama de "Paizinho" (Abba) e revela em Deus traços de amor feminino de mãe.

A revelação bíblica depende da cultura do povo e, por isso, mantém muitas imagens de Deus ligadas à violência e à vingança. Hoje não podemos aceitar que Deus tenha criado toda a humanidade, mas tenha revelado seu amor apenas a uma minoria que forma "a religião verdadeira", deixando a maioria da humanidade "nas trevas do erro". Seria como um pai ou mãe que gera muitos filhos e resolve cuidar de um só, mandando todos os outros para um orfanato. Não podemos crer, ao pé da letra, na palavra da Bíblia segundo a qual Deus mandou Abraão matar Isaac, seu filho único, só para testar se Abraão lhe era obediente. Não podemos admitir que Deus tenha dado ordem aos israelitas para exterminarem cidades inteiras dos cananeus. Não cremos que Deus tenha mandado uma peste sobre toda a população do país, apenas para castigar o rei Davi que pecou. Ou que se apresente dizendo: "Sou um Deus que vinga a maldade dos pais nos filhos e nos netos, até a terceira geração".

No Evangelho Jesus diz que Deus faz nascer o sol sobre os bons e sobre os maus e ama os justos e os injustos. Ensina-nos que Deus é amor, vida e perdão. Não castiga ninguém nem é responsável pelo mal que existe no mundo. Judeus e cristãos podem aceitar que se chame a divindade de Brahma, Alá, Olorum ou Tupã, contanto que Deus não legitime ódios e violência, injustiças e discriminação social.

Pelo fato de saber, cientificamente, que o sol não nasce ali ou morre acolá, não deixamos de usar as imagens poéticas do sol nascente e poente. Reler os textos sagrados com o olhar crítico da História e das ciências interpretativas não diminui nossa veneração por eles e nossa busca da Palavra de Deus contida nestas tradições. É como uma partitura musical: contém as notas da melodia que se torna viva e bela cada vez que é executada.

Para os cristãos, graças a Deus, surgem novas traduções da Bíblia que podem ajudar-nos nesta tarefa da interpretação e da busca do rosto de Deus oculto nos traços dos textos antigos. Nesta verdadeira peregrinação interior o descobrimos sempre como um Deus que nos surpreende e diz: "Faço novas todas as coisas" (Ap. 21,5).

Marcelo Barros é monge beneditino, autor de diversos livros.

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