"O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."(Salmos 23: 1-6)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Liberdade, a virtude dos filhos de Deus

Liberdade, a virtude dos filhos de Deus
Carmen Sílvia Machado Galvão *

Mesmo que não se queira dogmatizar a compreensão do tema liberdade, é imperioso que se busque a formação de juízos aproximados, como a possibilidade de uma pessoa fazer suas próprias escolhas e colocá-las em execução. Ser livre é um direito natural que todo o ser humano tem. Então, surge a questão: o que é ser livre?

No início da década de 80, libertação era uma palavra tabu, torciam o nariz... os "libertários" eram malvistos, muitos foram perseguidos, mandados calar, pressionados até o desespero. Só restaram os leigos, que não deviam obediência a nenhuma autoridade religiosa. Muitos tinham medo da censura e só escreveram coisas superficiais, catequese, liturgia, devocionários populares, etc. Nada que comprometesse. Com isto perdeu o pensamento teológico da Igreja do Brasil, que pouco evoluiu, em comparação com o de outros países da América Latina, da Europa e até da Ásia. Quem combateu a teologia da libertação talvez não tenha se dado conta do mal que fez à Igreja, uma vez que "nosso Deus é um Deus libertador". Esta assertiva não provém da produção dos teólogos latino-americanos, mas é encontrada nas Sagradas Escrituras:

Javé disse: "Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel, o território dos cananeus, heteus, amorreus, ferezeus, heveus e jebuseus. O clamor dos filhos de Israel chegou até mim, e eu estou vendo a opressão com que os egípcios os atormentam. Por isso, vá. Eu envio você ao Faraó, para tirar do Egito o meu povo, os filhos de Israel" (Ex 3, 7-10).


O Senhor é minha rocha, minha fortaleza, meu libertador (2Sm 22,2);


Javé é meu libertador (Sl 18,3);

As ações libertadoras de Javé são a prefiguração da práxis de Jesus Cristo, libertador definitivo dos homens. Assim como Javé o foi do povo hebreu a partir daquela primeira páscoa, Jesus é para nós e será sempre para as gerações futuras o Go’el (libertador). Ao seu povo, servil a tantos cativeiros, ele lança a promessa de libertação, que nada mais é que uma antecipação do evangelho libertador (cf. Is 52,2/ 61,1).

Assim como acontece com a verdade, ninguém é dono da liberdade, apenas Deus que a concede como um dom. Desta forma não se admite que alguém diga como é e como não é a libertação. Ela é dom e se manifesta conforme o Espírito suscita, no interior da Igreja-comunidade e diretamente no coração de cada um.

É isto que a liberdade proporciona. Em Jo 8 Jesus, ao dizer que a verdade nos libertará, faz a união, estabelece o diálogo entre a libertação (que é luz) e a verdade, que é ele próprio. Por isto, anima o povo ao afirmar que a libertação (com ele) está chegando aos que crêem:

[...] levantem-se e ergam a cabeça, porque a libertação de vocês está próxima (Lc 21,28).

A entrega na cruz subentende liberdade. Ela é história do Filho, história do Pai e do Espírito. Sob o aspecto teológico da fé, liberdade é adesão, vida cristã renovada e espiritualidade. Na liberdade que se comunica com a luz brota a vida nova, abundante. A gente pede a Deus água e ele dá um regato, um manancial, uma cascata...pede-se uma flor e ele dá um jardim, uma plantação de rosas...A quem pede uma árvore ela concede uma floresta, cheia de sombras, paz e perfume silvestre... Liberdade é graça e opção. Os textos do Novo Testamento nos revelam que a liberdade cristã deságua em três questões:

1. Do pecado (Jo 8, 31-36; Rm 6,18-23)

• é operada por Jesus Cristo e consiste na vocação em renunciar à injustiça e toda a espécie de mal. Organiza a vida cristão pelo poder do Espírito Santo e transforma-se - pelo amor - em doce servidão a Deus.

2. Da lei que escraviza (At 15,10; Rm 8,2; Gl 2,4; 5,1.13)

• Às vezes a excessiva preocupação com a lei se transforma em um jugo. O que salva é a graça e não a lei; o que liberta o homem da vontade de pecar é a conversão e não o temor das sanções da lei. Certas leis, por injustas, anacrônicas e autoritárias ensejam o desejo de pecar.

3. Da morte (cf. Rm 6,23; 7, 9ss; 1Cor 15,56)

• Pecado e morte são juízos afins, pois um está ligado ao outro num contexto de nexo causal. Assim como o coração do homem está dividido entre amor e egoísmo, também em sua existência se debatem vida e morte. Alei do Espírito que dá a vida é um novo dinamismo interior que, com a própria vontade de Deus, liberta o homem da lei do pecado e da morte eterna.

A partir de Jesus Cristo, Deus e homem, se instaura no mundo uma práxis capaz de restaurar a criação desfigurada pelo pecado, que tem raízes no mau uso da liberdade. Jesus vem libertar a vida das garras da morte e projetá-la para a liberdade integral, conforme o projeto do Pai. Nesse processo, o cristão, membro do povo de Deus é agente de destinatário da libertação. A libertação que não levar em consideração a liberdade pessoal daqueles que por ela combatem, está, de antemão, condenada ao fracasso. O sentido primário e fundamental da libertação, que se manifesta na história humana, é o sentido soteriológico (refere-se à salvação); o homem é libertado da escravidão radical do mal e do pecado.

Ele nos arrancou do poder das trevas e nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado (Cl 1,13).


* Carmen Sílvia Machado Galvão é teóloga leiga, socióloga e escritora

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