"O SENHOR é o meu pastor, nada me faltará. Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a águas tranqüilas. Refrigera a minha alma; guia-me pelas veredas da justiça, por amor do seu nome. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam. Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos, unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda. Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do SENHOR por longos dias."(Salmos 23: 1-6)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Chão e o Horizonte

O Chão e o Horizonte
Manfredo Araújo de Oliveira *

Este é o título de um documento que alguns organismos vinculados à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB) acabam de publicar como subsídio de reflexão a respeito das próximas eleições. Qual a razão deste título? Ele pretende exprimir a atitude que devemos ter frente às situações que marcam nossa vida. O chão diz respeito a tudo aquilo que constitui o mundo em que estamos inseridos que começa precisamente com o chão da vida quotidiana e nos dá o senso do real. O horizonte aponta para onde levam os caminhos. Vivemos um momento muito importante: o momento das eleições que são apesar de todos os seus limites uma grande oportunidade para avaliar, re-afirmar ou corrigir os rumos que marcam a vida de nosso país. A construção de uma sociedade mais humana, portanto, justa, democrática e ecologicamente equilibrada implica o entrelaçamento destas duas perspectivas. Concretamente levar em consideração o chão e o horizonte significa tomar uma posição crítica frente à realidade e buscar com seriedade meios que contribuam para a construção de um mundo alternativo.

A consideração do horizonte destaca a crise, que na realidade é uma combinação de crises, gestada pelo capitalismo neoliberal que por princípio eliminou qualquer regulação do mercado e reduziu drasticamente os investimentos em políticas sociais. Este processo provocou uma aceleração da exclusão social e produziu um modelo de desenvolvimento predatório que esgota os recursos naturais em função de uma produção e um consumo sem limites o que em si mesmo constitui uma ameaça grave a própria sobrevivência da espécie humana e de toda vida no planeta.

A consideração do chão destaca o fato que hoje uma classe, chamada de classe "c", tem tido um grande crescimento em nossa sociedade e já abrange uma boa parte das famílias brasileiras. Esta classe conseguiu mudar seu padrão de vida graças a algumas políticas sociais o que tem levado a uma revitalização do mercado interno. Para estes o sonho do consumo antes impossível pode parcialmente ser realizado. Enquanto estas populações aprovam fortemente o governo atual, suas políticas são também fortemente criticadas como gastança desnecessária pelas classes de melhor poder aquisitivo.

Neste contexto, tudo indica que o processo das eleições presidenciais nos estaria induzindo a ter que escolher entre o Estado indutor do crescimento econômico e redistribuidor de renda e o Estado dito enxuto que privilegia a iniciativa privada admitindo apenas os gastos sociais que não provoquem déficit nas contas públicas. Se nos detemos na consideração do chão do cotidiano tudo se reduz ao dilema entre Estado mínimo e política desenvolvimentista. Um passo importante é dado quando se compreende que ambas as propostas são variantes do mesmo modelo produtivista-consumista, o que significa que na realidade não nos confrontamos com propostas que pretendam ir além daquilo que provocou a crise que hoje vivemos. Diante deste quadro, afirma o documento, é urgente voltar os olhos para o horizonte e nos perguntarmos que fazer.

O sociólogo belga François Houtart nos ajuda a delinear o horizonte da sociedade desejável. Para ele ela pode ser construída sobre quatro grandes eixos. Primeiro, uma relação de respeito e não de exploração com a natureza o que implica declarar a água e as sementes patrimônio universal e não permitir sua privatização. O segundo eixo é privilegiar o valor de uso sobre o valor de troca, o que significa que os produtos e os serviços teriam que ser desenvolvidos em função das necessidades humanas. O terceiro eixo é a democratização da sociedade não somente no campo político, mas em todas as relações sociais coletivas, na economia, nas instituições de saúde, de educação, no esporte e na religião, entre homens e mulheres. O quarto eixo é a multiculturalidade: a possibilidade de que todos os saberes, filosofias e religiões contribuam para a construção social coletiva.


* Manfredo Araújo de Oliveira é doutor em Filosofia e professor da UFC. Presidente da Adital

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